O acesso e a guarda de informações médicas ocupacionais são regulamentados por uma vasta legislação, e o tratamento inadequado desses dados pode resultar em implicações civis e criminais. Empresas e gestores precisam compreender as diretrizes, as limitações e os riscos ao lidar com dados sensíveis dos trabalhadores. Este artigo esclarece a legislação pertinente e as condutas recomendadas para garantir a conformidade e evitar riscos jurídicos.
1. Normas e Regulamentações Aplicáveis
A legislação brasileira estabelece diretrizes rigorosas sobre o acesso, armazenamento e tratamento de prontuários e exames ocupacionais dos trabalhadores. A Portaria MTE Nº 612/2024 e a Portaria Conjunta RFB/MPS/MTE Nº 13/2024 reforçam a obrigatoriedade do sigilo e da restrição de acesso a esses dados. Conforme a NR-7, atualizada pela Portaria MTP Nº 672/2021, apenas o médico ocupacional responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) deve armazenar e consultar os prontuários e exames médicos, sendo responsável pela guarda e sigilo desses documentos. Se a empresa não tiver médico no Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), a responsabilidade pelos prontuários é do médico executor ou do médico responsável pelo PCMSO. Somente o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) deve ser fornecido à empresa para envio ao eSocial, conforme o Manual de Orientação do eSocial (MOS), versão 1.3 ou mais recente.
2. Legislação Penal e Civil
A Constituição Federal (Art. 5º, inciso X) assegura a inviolabilidade da privacidade e intimidade. No contexto ocupacional, essa proteção é reforçada pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei nº 13.709/2018), que impõe sigilo e limitações no tratamento de dados sensíveis. O Código Penal Brasileiro, no Art. 154, determina que a violação de sigilo profissional é crime, com pena de detenção e multa para quem revelar, sem justificativa, informações obtidas em razão de função ou profissão. A Lei nº 11.430/2006 e o Decreto nº 6.042/2007 também exigem a integridade das informações pessoais no ambiente laboral, protegendo contra o uso inadequado.
3. Conduta dos Médicos do PCMSO
Médico Examinador e Médico Responsável pelo PCMSO
A Resolução CFM nº 2.323/2022 e o Código de Ética Médica determinam que o médico do trabalho deve agir eticamente e respeitar as diretrizes ocupacionais. O médico responsável pelo PCMSO deve conhecer em profundidade o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o ambiente de trabalho e os riscos ocupacionais, sendo responsável por orientar e definir condutas médicas, propor intervenções e, quando necessário, sugerir ao empregador melhorias para promover a segurança dos trabalhadores. O médico examinador, que realiza os exames complementares, deve consultar o médico do PCMSO para assegurar que as ações de saúde estejam alinhadas com as condições e riscos do ambiente laboral.
Essa parceria entre médico examinador e o médico responsável pelo PCMSO é essencial para cumprir com as exigências do Capítulo V da CLT e do Art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, garantindo a proteção da saúde e segurança do trabalhador.
4. Exames Toxicológicos: Procedimentos, Protocolos e Direito à Contraprova
Periodicidade e Protocolos de Entrega
A Lei nº 13.103/2015 determina que motoristas das categorias C, D e E devem realizar exames toxicológicos periodicamente, com renovação a cada dois anos e meio. O laboratório executor do exame é responsável por entregar os resultados de forma confidencial ao empregador e ao trabalhador, limitando o laudo à indicação de “apto” ou “inapto”, conforme a LGPD e a Nota Técnica S-1.2 nº 03/2024. Informações detalhadas sobre as substâncias detectadas não devem ser compartilhadas com o empregador, protegendo a privacidade do trabalhador.
Contraprova e Novo Exame em Caso de Resultado Positivo
Em casos de resultado positivo no exame toxicológico, o trabalhador tem o direito de solicitar uma contraprova para confirmar o resultado. O exame de contraprova, que utiliza a mesma amostra biológica da coleta inicial, é feito pelo laboratório responsável pelo exame. Além disso, o trabalhador pode optar por realizar um novo exame toxicológico, com uma nova coleta, em laboratório independente, caso queira uma verificação adicional dos resultados. Essas medidas garantem a transparência e o direito do trabalhador à revisão do exame, assegurando que o resultado seja correto antes de qualquer ação por parte do empregador.
5. Conformidade com o eSocial e Limitações de Informações
Eventos S-2220 e S-2240
De acordo com o MOS v1.3 ou mais recente e a Portaria Conjunta RFB/MPS/MTE Nº 13/2024, apenas as informações essenciais do ASO devem ser enviadas no evento S-2220. Dados dos exames complementares só devem ser incluídos no evento S-2240 para mapear os riscos ambientais, com base no Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT).
Inserir informações adicionais ou irrelevantes ao eSocial compromete a privacidade do trabalhador e infringe a LGPD, expondo a empresa a sanções administrativas e multas.
6. Integração entre PGR, PCMSO e LTCAT
Finalidade e Complementaridade dos Documentos de SST
Os documentos de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) são interdependentes e devem ser harmonizados para promover a proteção do trabalhador:
PGR: Identifica e controla riscos ambientais no trabalho, baseando as ações do PCMSO e LTCAT.
PCMSO: Tem o objetivo de prevenir e monitorar a saúde dos trabalhadores, alinhando-se ao PGR para definir exames e medidas preventivas.
LTCAT: Registra agentes de risco, embasando a concessão de benefícios previdenciários e o evento S-2240 do eSocial.
7. LGPD e Segurança de Dados Ocupacionais
A LGPD exige tratamento confidencial dos dados de saúde ocupacional, impondo sanções para o armazenamento inadequado de informações. Recomenda-se que a empresa elabore um plano de conformidade para o tratamento de dados de saúde ocupacional e promova treinamentos sobre as melhores práticas em proteção de dados para as equipes de RH e SESMT.
8. Recomendações Práticas para Empresas
Restringir o Acesso ao ASO: Limitar o armazenamento de dados médicos ao ASO para envio ao eSocial, evitando o arquivamento de informações desnecessárias.
Procedimentos para Recebimento de Exames Toxicológicos: Estabelecer um fluxo de entrega dos resultados de aptidão do exame toxicológico, preservando a confidencialidade dos dados.
Conformidade com o eSocial: Enviar apenas informações obrigatórias e necessárias, conforme as orientações do MOS e da legislação.
Integração e Atualização dos Documentos SST: Assegurar que o PGR, PCMSO e LTCAT estejam alinhados com as normas vigentes e revisados periodicamente.
Capacitação sobre a LGPD: Treinamento das equipes de RH e SESMT para garantir o entendimento e a implementação das melhores práticas em proteção de dados ocupacionais.
Conclusão
A correta gestão e confidencialidade das informações de saúde ocupacional, em conformidade com a NR-7, LGPD, MOS v1.3, Código de Ética Médica e as legislações vigentes, protegem a privacidade dos trabalhadores e previnem riscos jurídicos para a empresa. Cumprir essas diretrizes promove um ambiente de trabalho seguro, ético e conforme a legislação.
Referências Legais
Resolução CFM nº 2.323/2022
Portaria MTE nº 612, de 26 de abril de 2024
Portaria Conjunta RFB/MPS/MTE nº 13, de 25 de junho de 2024
Nota Técnica S-1.2 nº 03/2024
Portaria MTP nº 672, de 8 de novembro de 2021
Manual de Orientação do eSocial (MOS) v1.3 ou mais recente
Constituição Federal - Art. 5º, inciso X, Art. 7º, inciso XXII
Código Penal Brasileiro - Art. 154
CLT - Capítulo V
Lei nº 11.430/2006 e Decreto nº 6.042/2007
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - Lei nº 13.709/2018
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